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segunda-feira, 3 de junho de 2013

Chegou assim, sem mais nem menos, chegou 'abalando as estruturas'.

 Não tem copo com uísque e gelo. Não tem cigarro e sofá de couro. Não tem escrivaninha no canto da sala nem janela com o vidro parcialmente quebrado, daquelas que oferecem uma vista única para o subúrbio cinzento de uma cidade. Nada de prostitutas, travestis e drogados na passarela urbana. Só há o barulho da chuva sendo mesclado lentamente com asfalto vagabundo, sacos de lixo e alarmes de carros. É uma fria noite paulistana e entre uma sirene e outra, só consigo me lembrar do seu sorriso. Peitos e bunda também, mas o sorriso prevalece.
Pode parecer mentira, mas ele existe. É quando você percebe que todas as suas brincadeiras aparentemente inocentes surtiram efeito. As moedas de um centavo jogadas naquela fonte velha já muito urinada por jovens e frequentada por moradores de rua, os desejos bêbados sussurrados para estrelas cadentes que você jurava que tinha visto ou os pedidos mentalizados por décadas em apagar de velas de aniversário. É inesperado e, justamente por ser inesperado, é perfeito. É uma sensação estranha, mas é um “estranhamento” agradável, bom de ser sentido, curtido, apreciado.
Ele, por sua vez, mesmo sem ser convidado, apareceu. Na verdade apareceu umas três ou quatro vezes e em formas, épocas e formatos diferentes. A grande questão é saber diferenciar todas essas variáveis até chegar naquela em que você julga ser a verdadeira, ou pelo menos a que você julga valer a pena se arriscar – de novo. E quando descobre, a satisfação de não mais precisar procurar é inigualável. Não me importo muito com créditos, quem encontrou quem. Até prefiro pensar que fui encontrada. Dá pra me sentir premiada, vencedora de uma loteria com cinco continentes e 7 bilhões de possibilidades.
É estranho, porém mais vale um cigarro aceso na boca do que todos dentro do maço intacto. Ok, há cigarros. Não há como escrever sem sentir o cheiro dos grandes escritores. Não há poesia se não há fumaça. É como sexo sem gozo. Há coisas na vida que não podem ser separadas, mesmo sendo colocações puramente humanas e capitalistas. Somos animais movidos por itens básicos, mas gostamos do complexo processo de aproximação física e sentimental, a paixão. Hoje eu sou o cigarro e ele é a minha boca. Eu sou a fumaça e ele é a minha poesia.
Tudo é muito simples. Simples como passamos do primeiro olhar no estacionamento de um hospital para a simbiosidade de um casal urbano. Simples como comer comida japonesa.  Simples como puxar propositalmente o cobertor durante a madrugada só para levar uma bronca bêbada de sono e, de quebra, ter ele juntinho de mim devido ao frio. Simples como assistir aquela comédia romântica que de comédia não tem nada.  
 É simples assistir a um documentário de três horas e dormir nos primeiros três minutos no seu colo. É simples sentir sua respiração vagarosa, profunda, calma. É simples se esquecer do documentário e passar a notar suas bochechas rosadas. É simples ficar observando sua boca entreaberta, seus lábios delicados. É simples olhar para a janela e ver uma noite paulistana qualquer. Mais uma noite com o barulho da chuva sendo mesclado lentamente com asfalto vagabundo, sacos de lixo e alarmes de carros. Simples como ter a certeza de que, no final do dia, tudo sempre é por ele. Tudo sempre foi por ele.
A perfeição atravessa discretamente profundos olhares secretos, a alma suspira a renovação do corpo, a vida retoma todas as suas formas, o absoluto, simples como amar, simples como dizer eu te amo.  (...) 


- Texto original de Ton Torres, -Quando você sabe que a mulher da sua vida chegou - 

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