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quarta-feira, 17 de julho de 2013

Alice

Agora que chegaste na idade avançada de quinze anos, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas. Este livro é doido e o sentido dele está em ti.
Se não descobrires um sentido na loucura, acabarás louca. Aprende pois, logo de saída, para a grande vida a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo pois te dou apenas umas poucas chaves entre as milhares que abrem as portas da realidade. A realidade, menina, é louca.
Nem o papa nem ninguém no mundo pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “fala a verdade Dinah, já comeste um morcego?”
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa pergunta perplexa é o lugar comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares esta charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta. Ainda que seja mentira. A “sozinhez” é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “estou tão cansada de estar aqui sozinha!” O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Somos tão bobos. Praticamos uma ação trivial e temos a presunção petulante de esperar delas grandes consequências. Há uma sabedoria social ou de bolso, nem toda a sabedoria tem de ser grave. A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia, pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Para a tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimente o ponto de vista do rato!
Os homens vivem apostando corrida. Nos escritórios, nos negócios, na política, nos clubes, nos bares, nas artes, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corridas que são tão confusas tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos que quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “a corrida terminou mas quem venceu?” É bobice disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar, se chegares sempre onde quisestes, ganhaste.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar, quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “devo estar diminuindo de novo!” Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer de novo.
Toda pessoa deve ter três caixas para guardar o humor; uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta por aí, uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando se está sozinho e, por fim, uma caixinha preciosa muito escondida para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito legais. Cuidado com as grandes ocasiões
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem seu feitiço e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: “agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas.” Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida. É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira da nossa dor (...)
Paulo Mendes Campos




P.s: Quando eu tinha 15 anos, minha querida prima me mandou este textinho que havia ajudado ela na própria adolescência, hj estou relendo, pois ainda estou perdida, ainda há monstrinhos comigo, não consigo achar a maldita porta do poço.  

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